Os limites do ProUni e das cotas
Por: José Luiz Souza de Andrade
Estudantes se reuniram em evento para discutir problemas enfrentados por beneficiados pelo ProUni e pelas cotas
Em dez anos, o número de matrículas nas universidades brasileiras saltou de pouco mais de 3 milhões para 6.379.299. Destes quase 3 milhões de novos estudantes, boa parte ingressou em instituições privadas a partir do Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas de estudo a alunos de famílias pobres.
Com objetivo semelhante, a adoção de reservas de vagas em instituições públicas pode não ostentar números tão altos. Porém, é inegável que abriu as portas do ensino superior para uma legião de jovens que, assim como boa parte dos que beneficiaram-se do ProUni, teriam chances reduzidas de conquistar uma vaga nos concorridos vestibulares.
A eficácia das duas estratégias no que diz respeito à ampliação do acesso à universidade é difícil de ser contestada. Da mesma forma que o ponto fraco que ambas possuem: não oferecerem condições de garantir o estudante até o fim do curso.
Sete anos depois da criação do ProUni e 12 anos após a primeira experiência de reserva de vagas do país, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), representantes dos alunos sobem o tom das reivindicações por maior assistência a beneficiados. A União Nacional dos Estudantes (UNE), por exemplo, defende que a falta de uma política mais ampla nessa linha pode comprometer o impacto do programa de distribuição de bolsas.
“O ProUni democratizou o acesso, expandiu oferta de vagas, permitiu entrada de jovens de baixo aquisitivo. Mas o desafio maior não é entrar. A pessoa tem de permanecer e se formar com qualidade”, disse o presidente da UNE, Daniel Iliescu.
Custo da formação é
o principal obstáculo
A argumentação do líder estudantil em relação ao um programa que já levou mais de um milhão de alunos ao ensino superior soaria sem propósito se o país em questão não fosse o Brasil. Pode não parecer, mas estudar em uma universidade por aqui tem um custo alto, mesmo quando não se paga pelo curso.
Os livros universitários são caros, principalmente os das áreas tecnológica e de Saúde. Boas bibliotecas amenizariam o quadro, mas a julgar pelos resultados da maioria das instituições privadas em avaliações do MEC, é difícil imaginar que tenham acervo suficiente para dar conta de todos os que não podem comprar as publicações.
Para resolver esse problema, ou mesmo para atender a uma metodologia didática que se pauta em fragmentos de diversas obras, os professores apelam para uma solução que não ajuda muito: a utilização de cópias. Como todos, em geral, solicitam xérox em larga escala, o gasto acaba pesando no bolso dos alunos.
Outro problema está no transporte. Em geral, as universidades estão localizadas em poucas cidades, o que exige gasto alto de passagem para quem não mora nesses municípios. Isto sem falar em uma prática, muitas vezes comum, de fazer com que um aluno, em um mesmo dia, tenha aulas em mais de uma unidade.
Estudar em tempo parcial nem sempre ajuda a ter menor despesa. Com o trânsito das grandes cidades, muitas vezes os alunos passam horas em engarrafamentos, o que tornam inevitáveis os gastos com alimentação. Complementam o quadro, as despesas com material didático dos cursos e com moradia, principalmente para quem vem de cidades distantes de onde estudam.
“Já vimos casos de estudantes que vêm de outros estados e têm problemas para manter custos de moradia, transporte, alimentação, xerox, livros. Isso é muito comum entre os beneficiados pelo ProUni”, comentou Igor Mayworm, presidente da União Estadual dos Estudantes do Estado do Rio (UEE-RJ).
Os alunos beneficiados pelo ProUni até recebem uma bolsa permanência, hoje de R$360. Porém, o valor ainda é considerado baixo. Além disso, só é pago para quem possui jornada de estudos superior a seis horas. Como tratam-se de universidades privadas, nas quais a maioria esmagadora dos cursos funciona em turno parcial, na prática, o rol dos beneficiados vai pouco além dos alunos de Medicina. A UNE estima que cerca de 10% dos atendidos pelo ProUni recebam as bolsas.
“O pressuposto de atender a quem tem carga horária integral é que a pessoa se vê impossibilitada de trabalhar. Porém, muitos estudantes passam duas, três horas, só no transporte. E mesmo os que trabalham têm custos elevados e, por causa das dificuldades, trancam matrículas”, defendeu Daniel Iliescu.
Entre beneficiados por cotas,
problema é atraso nas bolsas
Segundo o presidente da UEE-RJ, os beneficiados por reservas de vagas estão em situação mais favorável, ao menos no Estado do Rio, onde o alcance das bolsas é maior. Porém, o problema, muitas vezes, é a burocracia. “A maior reclamação que recebemos é em relação ao atraso do pagamento da bolsa. Eles têm um direito que não chega até eles. Isso traz muita dificuldade para os alunos se manterem na universidade”, salientou Igor Mayworm.
Entre as principais reivindicações do movimento estudantil para os beneficiados pelo ProUni e pelas cotas está a equiparação do valor da bolsa ao salário mínimo, hoje de R$622. Na pauta, também está a redução do preço ou gratuidade do transporte público em ônibus, trens, metro e barcas.
Os problemas, no entanto, não se restringem à falta de assistência estudantil. A UNE, por exemplo, também cobra fortalecimento das comissões locais e da nacional de acompanhamento do ProUni. Estes órgãos poderiam gerar informações confiáveis sobre abandono dos cursos, dificuldades acadêmicas dos alunos, necessidade de orientação pedagógica mas, principalmente, teriam condições de inibir e denunciar instituições que usam brechas na legislação.
“A lei não autoriza, por exemplo, que a universidade, após ter concedido a bolsa, continue a monitorar a renda do bolsista. Porém, há instituições que pedem, semestralmente, para renovação da bolsa, este comprovante. E cancelam a bolsa se o estudante melhora de vida. Muitas instituições fazem isso, aproveitando-se da fiscalização insuficiente e das brechas na lei”, afirma o presidente da UNE.
Segundo ele, outro problema do ProUni é o fato de que milhares de brasileiros estudam em cursos de qualidade duvidável. “É importante incluir, mas essas universidades devem estar cada vez mais comprometidas com a qualidade, a formação continuada de professores, a ampliação de mestrado e doutorado no quadro docente, a assistência estudantil, o investimento em infraestrutura, laboratórios e bibliotecas.”
Diretora do MEC defende programa
Como resposta às críticas dos estudantes em relação ao ProUni, o principal argumento do Ministério da Educação é o de que, se o programa não é exatamente como as entidades estudantis desejam, ele vem sendo aperfeiçoado ao longo dos últimos anos. Foi o que destacou Paula Branco, diretora de Políticas e Programas de Graduação do MEC.
Ela citou entre os avanços, o fato de a bolsa-permanência ter deixado de ser um valor fixo para estar vinculada à variação das bolsas de iniciação científica. Com isto, o valor, que inicialmente era de R$300, hoje é de R$360. “E tem avançado também em fazer convênios com bancos para que priorizem para estudantes do ProUni as possibilidades de fazer um estágio remunerado. Isso, além de ajudar o estudante na inserção no mercado de trabalho, oferece a ele condições de ter um estágio remunerado e, com esse dinheiro, suprir algumas necessidades para que ele possa efetivar sua permanência.”
A diretora de Políticas e Programas de Graduação do MEC também afirmou que governo tem ampliado a fiscalização em torno do ProUni. Em relação a este aspecto, ela citou a lei, sancionada no ano passado, que estabeleceu que a isenção de impostos conferida às instituições de ensino seria proporcional à ocupação das bolsas. E citou o esforço do MEC em observar mais de perto se instituições e bolsistas atendem aos critérios de elegibilidade do programa.
Segundo ela, o programa tem conseguido se aprimorar ao longo dos anos, possibilitado o acesso ao ensino superior a cerca de 1 milhão de atendidos em todo o país, dos quais, 48% são afrodescendentes. “Então, o Prouni, hoje, cumpre uma função de democratização do ensino e de resgatar os talentos que até então não podiam se manifestar por falta de oportunidade. O programa tem cumprido seus objetivos, o que não nos exime de trabalhar a cada dia para que seja aprimorado”, concluiu Paula Branco.
Bolsa pode ser ampliada no Rio
O prefeito Eduardo Paes afirmou, no primeiro dia II Encontro Carioca dos Estudantes Cotistas e Prounistas, realizado na Universidade Gama Filho, no último sábado, dia 26, que pretende estender a bolsa-permanência para todos os beneficiados do ProUni da cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, apenas os alunos de alguns cursos com jornada estudantil de seis horas ou mais recebem o valor de R$360.
Paes disse ainda que vai implementar a bolsa Pós-Graduação, uma das reivindicações da UEE-RJ, para os estudantes prounistas da cidade. Também presente no evento, o senador Lindberg Faria afirmou que enviará ao Senado um projeto de lei para estender o benefício da bolsa-permanência para todos os 1 milhão de prounistas do país.
Se as promessas dos políticos forem concretizadas, os estudantes terão o que comemorar. A falta de uma bolsa-permanência é uma das principais dificuldades dos beneficiados. Aluna do curso de Letras da UniverCidade, Daniele Martins, de 24 anos, diz que gasta em torno de R$300 com despesas para frequentar a instituição.
“Uma bolsa como esta, sem dúvida, ajudaria a me manter no curso. No meu caso, tive de conciliar trabalho e estudo para continuar na faculdade”, diz Daniele, que está no 5º período e, há pouco tempo, deixou o emprego porque tinha de fazer estágio obrigatório. “Ganho R$500. É bolsa que acaba auxiliando muitos mais nos gastos adicionais em relação à faculdade. Não dá, por exemplo, para me especializar.”
Para quem vem de longe, como Thiago Neves, aluno de Medicina da Universidade Gama Filho, a situação ainda é mais complicada. Além das despesas de Daniele, ele tem de arcar com aluguel, já que veio de Belém do Pará e não tem parentes no Rio. A saída foi entrar em uma rotina puxada de estudo e trabalho. “Estudo o dia inteiro, de segunda a sábado, e trabalho noite sim, noite não, no setor administrativo de um hospital. Às vezes, vou praticamente dormindo pra faculdade”, disse o estudante que estima gastar, por mês, cerca de R$900. “Ainda bem que a biblioteca é bem estruturada e não tenho gasto com livros. Nunca sobrou dinheiro pra isso.”
Como é bolsista parcial, a estudante de Jornalismo da Universidade Castelo Branco, Giulliana Vendramini, além de alguns dos gastos citados por Daniele e Thiago, precisa pagar metade do valor da mensalidade. Ela reclama, principalmente, dos gastos com xérox. “Temos de tirar cópias de várias apostilas”, disse a estudante, ressaltando que os pequenos gastos, juntos, pesam demais para os bolsistas. “Se a pessoa entrou pelo ProUni, quer dizer que não tem tantas condições assim de arcar com todos esses custos”, completa a universitária.
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